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Cartéis e Livre Mercado: O Caso da Prescrição de Prejuízos no "Cartel da Laranja"

Em um mercado verdadeiramente livre, a competição deveria ser o motor que impulsiona a inovação, melhora a qualidade dos produtos e mantém os preços em níveis adequados para consumidores e produtores. No entanto, como previsto por Karl Marx em sua Lei da Concentração e Centralização do Capital, as forças do capitalismo tendem naturalmente à concentração de poder econômico em poucas mãos, frequentemente à custa dos menores participantes do mercado.

O recente caso do "cartel da laranja" julgado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ilustra perfeitamente este fenômeno e levanta importantes questões sobre como o sistema jurídico lida com as consequências dessas distorções de mercado.

O Caso do "Cartel da Laranja" e a Decisão do STJ

Conforme reportado pelo Conjur em 25 de fevereiro de 2025, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, na ausência de decisão formal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) reconhecendo práticas anticompetitivas, o prazo prescricional para ações de reparação de danos inicia-se na data da assinatura do contrato que originou o prejuízo.

O caso refere-se a um monopsônio que operou entre 1999 e 2006, envolvendo processadoras de suco de laranja que manipulavam sistematicamente o preço de aquisição da fruta. Estas empresas compartilhavam informações estratégicas e sensíveis sobre preços, criando uma situação em que os produtores de laranja ficavam sem alternativas para vender sua produção em condições mais vantajosas, como ocorreria em um ambiente de livre concorrência.

Esta prática anticompetitiva permitiu que as grandes empresas processadoras impusessem aos citricultores contratos com valores artificialmente reduzidos, beneficiando apenas as próprias empresas de processamento. Como consequência, toda a cadeia agrícola foi prejudicada, incluindo os produtores rurais e seus funcionários, que sofreram significativas perdas econômicas.

Em 2016, em vez de enfrentarem uma condenação formal, as empresas envolvidas optaram por assinar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com o Cade, comprometendo-se a encerrar as práticas anticompetitivas e a pagar uma contribuição de R$ 301 milhões ao Fundo de Direitos Difusos.

O que é um monopsônio?

Um monopsônio é uma estrutura de mercado caracterizada pela existência de um único comprador (ou um grupo pequeno de compradores atuando em conjunto) diante de vários vendedores, o que confere ao comprador significativo poder de mercado para influenciar preços. Diferentemente do monopólio, onde um único vendedor domina o mercado, no monopsônio o poder está concentrado no lado da demanda, permitindo que o comprador estabeleça preços abaixo do que seria praticado em um mercado competitivo, uma vez que os fornecedores possuem poucas ou nenhuma alternativa para vender seus produtos ou serviços, resultando frequentemente em prejuízos econômicos para os produtores, como ocorreu no caso dos citricultores que foram forçados a vender suas laranjas por preços artificialmente baixos às empresas processadoras de suco.

As Cinco Forças de Porter e a Distorção do Mercado

Analisando esse caso através das lentes do modelo das Cinco Forças Competitivas de Michael Porter, podemos ver como o cartel distorceu completamente o equilíbrio de poder no mercado:

  1. Poder de negociação dos compradores: O cartel reduziu drasticamente o poder de negociação dos produtores rurais de laranja, forçando-os a aceitar preços artificialmente baixos.

  2. Poder de negociação dos fornecedores: As empresas processadoras de suco, ao atuarem em conluio, aumentaram artificialmente seu poder como compradoras, colocando os produtores rurais (fornecedores da matéria-prima) em posição vulnerável.

  3. Ameaça de novos entrantes: O cartel criou barreiras invisíveis à entrada de novos concorrentes no mercado de processamento de laranja.

  4. Ameaça de produtos substitutos: Ao manipular os preços da laranja, o cartel poderia influenciar a competitividade do suco em relação a outras bebidas.

  5. Rivalidade entre os concorrentes existentes: Em vez de competirem entre si, as empresas processadoras cooperaram ilegalmente para maximizar seus lucros coletivos.

A Lei Marxista da Concentração e Centralização do Capital em Ação

O caso do "cartel da laranja" exemplifica com precisão a Lei da Concentração e Centralização do Capital formulada por Marx. As grandes empresas de processamento de suco utilizaram seu poder econômico para:

  • Concentrar capital: Acumulando lucros extraordinários às custas dos pequenos produtores rurais;

  • Centralizar capital: Agindo coordenadamente para dominar o mercado, mesmo sem fusões formais;

  • Explorar economias de escala: Utilizando seu tamanho para impor condições desfavoráveis aos agricultores;

  • Maximizar poder de barganha: Negociando vantagens artificiais com os fornecedores de laranja.

A Prescrição como Obstáculo à Justiça Econômica

A decisão do STJ sobre a prescrição levantou questionamentos importantes. Ao determinar que o prazo prescricional de três anos (conforme o artigo 206, §3º, V, do Código Civil) começa a contar na data da assinatura do contrato, o tribunal potencialmente criou um obstáculo significativo para os produtores rurais que buscam reparação.

Esse entendimento parece ignorar a realidade de que, em casos de cartel, as vítimas frequentemente não têm conhecimento da manipulação de mercado no momento da contratação. O cartel, por sua própria natureza, opera na sombra, escondendo-se atrás da aparência de normalidade de mercado.

É importante notar que, desde 2022, o prazo prescricional para esses casos foi estendido para cinco anos pelo artigo 46-A, §1º, da Lei 12.529/2011, reconhecendo a complexidade e a dificuldade de detecção dessas práticas anticoncorrenciais.

Conclusão: A Vigilância Constante como Preço da Liberdade Econômica

Para os defensores do livre mercado, casos como o "cartel da laranja" reforçam a necessidade de órgãos reguladores fortes e vigilantes, capazes de detectar e punir violações da ordem econômica antes que causem danos irreparáveis aos agentes econômicos mais vulneráveis.

Como previsto por Marx, as forças de concentração e centralização do capital estão sempre operando no sistema capitalista. Sem contrapesos eficazes, essas forças naturalmente levam à formação de oligopólios e à cooptação do mercado por agentes dominantes.

O caso julgado pelo STJ serve como um lembrete de que a defesa da concorrência não é apenas uma questão técnica ou jurídica, mas um imperativo para a sobrevivência do próprio mercado livre que, paradoxalmente, tende a autodestruir-se quando deixado completamente sem regulação.


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Fonte: Se Cade não reconhece cartel, prescrição de prejuízos começa na data do contrato. Danilo Vital, 25 de fevereiro de 2025, 20h23. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-fev-25/se-cade-nao-reconhece-cartel-prescricao-de-prejuizos-comeca-na-data-do-contrato/

 
 
 

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